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Guimarães Jazz 2025

 

 
 
 
 

O Guimarães Jazz vai começar.

O Guimarães Jazz
Desde 1992, anualmente no meio do outono, o Guimarães Jazz persiste como o mais importante festival de Jazz nacional, por diversas razões, a começar pela dimensão.
O Guimarães Jazz não é um festival de Jazz consensual, nem pretende sê-lo, nem seria possível afinal.  Ivo Martins, o programador não se pretende como «um homem do Jazz», assumindo-se como um ecléctico, e esse traço da sua personalidade tem imposto a marca da diversidade na programação do festival.

A discordância seria sempre inevitável: para uns o Guimarães Jazz tem Jazz a menos, para outros tem Jazz a mais; para uns o Jazz já acabou, para outros o Jazz persiste como uma forma criativa; para uns o futuro é o da fusão de géneros, para outros o futuro do Jazz está em si mesmo, nos conflitos (entre o novo e o velho, a improvisação e a composição...) que são intrínsecos à própria noção de Jazz.
E inevitavelmente nem tudo corre bem num festival, e a polémica seria sempre inevitável, também porque muito do que se vai passar num festival escapará sempre aos desígnios do programador e, enfim, também, se os acidentes acontecem, o Jazz é «o som da surpresa» (como diria o Paulo Gil), e o Guimarães já nos ofereceu concertos para esquecer e outros absolutamente memoráveis.
Sejamos honestos, e concordemos que para nós por cá, no nosso portugalinho onde a 90% da música é pimba, e rasca e foleira, e dos outros 10% o Jazz é uma niquice de uma elite pretensiosa; esse Jazz são apenas uns concertos ao longo do ano, vamos indo, batemos palmas e discordamos felizes na snobeira. 

Mas perdi-me. Ah, pois, estava a falar dos festivais. Nem tudo corre sempre bem por mais que se prepare e num festival os imponderáveis são muitos, ademais quando se gosta de arriscar. Mas nada pode evitar que um músico adoeça ou perca o avião, por vezes os músicos vão tocar no meio de tournees cansativas  e por vezes os músicos «experimentam» novas formações ou levam a palco projectos inacabados; e afinal o Jazz é mesmo assim: música viva, em movimento. E claro, há produtores e agentes, e músicos, mais honestos que outros e, como diria Vincent Vega (John Travolta) no Pulp Fiction (Quentin Tarantino): shit happens.  

Não sei porquê lembrei-me de um concerto, há talvez vinte anos, em Portalegre, em que o clarinetista Don Byron, que me tinha feito andar 220 Km, se apresentou em palco completamente engripado, incapaz de tocar; mas ainda este verão uma contrabaixista inglesa se apresentou no Barreiro com uma banda que não conhecia, apenas para cumprir contrato; o grande David Murray reslveu estragar o concerto em Angra do Heroísmo convidando para o palco para cantar a nova esposa, que não sabia cantar; e o mesmo aconteceu há vinte anos no Porto, num abominável concerto de Chick Corea, num concerto que afinal era um espectáculo de promoção da igreja da cientologia; e, inevitavelmente, Guimarães também tem o seu share de episódios.

Há alguns que são mesmo acidentes. Por exemplo, o concerto de Ambrose Akinmusire de 2024 foi claramente um concerto de transição, falho também como espectáculo, e pouco tempo depois ele substituiu a teclista (que empechava o grupo) pelo baixo de Reggie Washington, que ainda se mantém. Mas Ambrose Akinmusire é um músico inquieto e um trompetista e compositor de uma honestidade musical inquestionável.
Mas, ao acaso, mal correram outros e eu escrevi sobre eles, como o concerto indescritível de Hamid Drake em 2022, ou de William Parker num falso «Essence of Ellington» em 2011, ou a falhada fusão clássico-jazz de Maya Homburger, Agustí Fernández e Barry Guy; ou ainda o xaroposo e vazio de ideias de Jan Garbarek em 2017.
Ora, perguntarão os meus amigos, porque é que eu estou a escrever sobre os maus concertos do Guimarães Jazz? - Ora, porque não gosto de dar graxa, porque tenho apreço pelo programador, e porque acho mesmo que o Guimarães Jazz corre por vezes riscos desnecessários, e previsíveis.

E dito isto, no Guimarães Jazz aconteceram concertos memoráveis e vale a pena citar alguns:
Michael Formanek Septet «New Digs» em 2023, Linda May Han Ho Quartet em 2022, Rudy Royston em 2019, The Mingus Big Band em 2018, Allison Miller e Darcy James Argue em 2017, Ambrose Akinmusire e a Charlie Haden´s Liberation Music Orquestra em 2016, Jason Moran, James Farm, Archie Shepp e Maria Schneider no histórico ano de 2015, David Murray em 2014, Bill Frisell e Lucian Ban em 2012; Henry Threadgill Zooid em 2011, Charles Lloyd em 2010, Dave Holland e Dave Douglas em 2009, Kenny Barron em 2008, John Scofield e Ahmad Jamal em 2007, e Geri Allen, Dave Liebman com a Brussels Jazz Orchestra. E deixo para o fim o memorável concerto de encerramento da edição 2006 do Guimarães Jazz da Charlie Haden Liberation Music Orchestra.
(Ora, ora, dirão: só estás a citar concertos de Jazz! Pois foram, ah, pois foram. O Jazz foi sempre o melhor do Guimarães Jazz!)
Enfim, eu referi apenas alguns dos concertos cinco estrelas, mas nem todos os músicos podem ambicionar estar ao nível do John Coltrane (ou do Charles Lloyd ou do Bill Frisell ou do Archie Shepp ou...), como nenhum festival pode ambicionar ter todos os anos concertos de pôr a plateia a chorar (eu pecador me confesso) como no concerto de Charlie Haden em 2006.

O Guimarães Jazz 2025.
Um festival com sete noites pode permitir-se uma programação diversificada, para variados gostos e sensibilidades, e assim como alguns concertos agradarão a uns, outros não agradarão a esses, talvez, e o contrário. Eu faço parte do grupo dos que gostarão de uns e não apreciarão tanto outros.
Esclarecendo, (de entre os internacionais) os meus destaques vão para cinco concertos: Mark TurnerImmanuel Wilkins Fred HerschDanilo Pérez com Bohuslän Big Band e grandes expectativos para o Alex Hitchcock Quintet.

Mark Turner é um dos grandes saxofonistas da actualidade, um tecnicista com toda a história do saxofone Jazz nos dedos e no peito. A música de Turner  almeja a perfeição, e será talvez mais rigorosa que emotiva; e curioso que ele se tenha feito rodear de músicos mais dramáticos como o pianista David Virelles ou o portentoso Nasheet Waits. Reunião de estrelas - e seria injusto se não citasse também o trompete de Jason Palmer e Matt  Brewer no contrabaixo -, o concerto do quinteto de Mark Turner promete ser um dos momentos altos do Guimarães Jazz deste ano.
Quinta 13.

Immanuel Wilkins, vencedor de prémios e votações (também músico do ano e disco do ano JazzLogical 2022, e músico revelação 2020),  que abre o festival já esta quinta 6, é um jovem extraordinário saxofonista que emergiu do protectorado de Wynton Marsalis; mas o que ele irá apresentar em Guimarães será outra coisa. Immanuel Wilkins acentua em Blues Blood, o disco que deverá tocar em Guimarães, a a marca do activisimo negro (já antes notado), que o desencanto da política americana dos últimos anos  fez explodir. WiIkins fala da revolta da juventude perante a sociedade que persiste em estigmatizar os negros, da desigualdade e da repressão. Um trio de vozes a acompanhar um quarteto impulsivo, a poesia e o desencanto marca Blues Blood.  
Quinta 6, concerto de abertura.

Fred Hesch é um veterano pianista que tem vindo a Portugal com regularidade e que já tive a felicidade de ver tocar por duas vezes este ano (Funchal e Seixal).
Pianista «enciclopédico», como tenho referido, Hersch tem toda a história do piano Jazz nos dedos. O seu estilo é síntese e mimetismo, um piano e cada piano e todos os pianos. Hipotenusa num triângulo empático, com Drew Gress e Jochen Rueckert nos outros lados, toca no sábado 8, noutro concerto imperdível.
Sábado 8.

Danilo Pérez com Bohuslän Big Band. As chamadas orquestras de repertório podem ser coisas muito diferentes, e há umas mais interessantes que outras. A Bohuslän Big Band é uma orquestra sueca que começou por ser uma banda militar no século XIX, mas que se transformou no final do século passado numa orquestra de Jazz, convidando músicos como George Gruntz, Quincy Jones, Bob Mintzer, Vince Mendoza, Steve Swallow, Lew Soloff ou Christian McBride, e tocando repertórios eclécticos que incluem Maria Schneider, Frank Zappa, Gil Evans e Miles Davis. Não fugindo à matriz das orquestras clássicas, em muitas a definição de orquestra de Jazz reside apenas no repertório, mas outras possuem improvisadores de valor e revelaram elasticidade. O panamiano Danilo Pérez, que foi por mais de uma década o pianista da banda de Wayne Shorter (com John Patitucci e Brian Blade), tem dirigido a orquestra, contribuindo com um repertório latino que provocou um interessante e inesperado volte-face na direcção da orquestra, a que teremos muita curiosidade de assistir.
Concerto de encerramento do festival, sábado 15.

O jovem Alex Hitchcock é já mais do que uma promessa. Com seis discos já editados, o primeiro, logo, «All Good Things», de 2019, fez soar as campainhas: there’s a new kid in town! Nascido em Londres, mas a viver em New York, Hitchcock fez-se notar como saxofonista e improvisador, mas também como compositor. A única dúvida será a banda, que não conheço e,para além do pianista, não consegui perceber se são companheiros de estrada ou reunião de ocasião. Todo o suspense para o concerto do jovem Hitchcock, sábado 15 às 18.00.

Mas o Guimarães Jazz 2025 são dozes concertos.

Depois do concerto de abertura de amanhã, quinta 6, de Immanuel Wilkins,

segue-se o concerto-celebração dos 40 anos de carreira da Maria João, e parece que foi ontem que a Maria João enfrentou o público do Cascais Jazz naquele Novembro de 1984! (Maria João, Maria Viana, Mário Laginha, Carlos Martins, David Gausden, Fred Mergner, Artur Xavier e Carlos Vieira!)
Enfim, passaram já quarenta anos e a Maria João vai comemorar em Guimarães. O programa tem por base o disco Abundância, a que o Guimarães Jazz ofereceu dinâmica orquestral com a Orquestra de Guimarães. Já se sabe, a OG não é uma orquestra de Jazz, e as improvisações estarão a cargo da Maria João. No palco estarão, para além da Maria João, João Farinha, André Nascimento, Texito Langa, e as vozes de Mariana Ramos, Mariana Brissos e Inês Almeida. A Orquestra de Guimarães é dirigida por Vítor Matos e Pedro Lima é responsável pelos arranjos.
Sexta 7

Outra colaboração, com o Centro de Estudos de Jazz, da Universidade de Aveiro, é o responsável pelo Quinteto de Hugo Santos, o combo que ganhou o prémio para o melhor ensemble do ano. Todos os olhos postos na bateria do jovem Hugo Lopes dos Santos.
Sábado 8, às 16.00.

Ainda nesse sábado 8, pelas 18.00, o Quinteto de André Carvalho esteia em Guimarães “Of Fragility and Impermanence”; um disco que conta com o contrabaixista também na composição, o saxofone de José Soares, Raquel Reis no celo, Samuel Gapp no piano e João Hasselberg nas electrónicas.
Sábado 8, às 18.00.

E o sábado termina com o trio de Fred Hersch.
Sábado 8.

Projeto Orquestra de Jazz da ESMAE/ Guimarães Jazz dirigida por Alex Hitchcock Quintet
No dia seguinte, domingo, 9, o Guimarães apresenta o sempre muito aguardado resultado das workshops, que este ano levam os estudantes de Jazz da ESMAE a enfrentar o quinteto de Alex Hitchcock ao longo da semana.
Devo dizer que muitas vezes lamentei que estes concertos não sejam gravados, porque muita boa músicoa foi apresentada por lá. Boa música, juventude e muita animação, espera-se no domingo à tarde.
Domingo, 9, 17.00.

Projeto Porta-Jazz / Guimarães Jazz «estamos mesmo no princípio, vê tu»
E à noite, outra colaboração, na Black Box do CIAJ; uma proposta da Porta-Jazz, multidisciplinar, de acordo com a própria natureza da colaboração. Este ano a música terá a direcção da pianista Clara Lacerda que desafiará a poesia de Vasco Gato.
Domingo 9, Black Box do CIAJ

A segunda semana começa com Mark Turner (quinta 13), de que já falei,

e prossegue na sexta com um trio que junta Craig Taborn, Tomeka Reid e Ches Smith, piano e teclados, violoncelo e bateria.
Creio que a última vez que Craig Taborn esteve em Portugal, tocou a solo num concerto memorável na Amadora, em 2022, e antes disso ele tinha tocado em Guimarães e na Culturgest em duo - dois pianos - com Vijay Iyer, em 2019. A solo, duos e trios, emtodas as formações, e formas, Craig Taborn é um dos grandes pianistas da actualidade, e ele é o campeão da diversidade. Bastaria talvez dizer que a primeira vez que ele tocou em Portugal, era o vulcânico pianista da vulcânica banda de James Carter, em 1995, em Cascais!
Neste trio, com que se apresentará em Guimarães, noentanto, o programa refere:
«... será aquele que mais se afasta da ortodoxia do jazz clássico, tanto em termos de instrumentação – piano-violoncelo-bateria é certamente um formato invulgar e raramente explorado – como ao nível da identidade estilística dos músicos envolvidos, todos eles ativamente envolvidos em projetos que desafiam as fronteiras rígidas dos géneros e privilegiam a hibridação musical»; e creio que o texto é elucidativo. Concerto que arrebatará as opiniões - excelente para uns, aborrecido para outros. Lá estaremos.
Sexta 14.

O concerto do princípio da tarde de sábado resulta de outra colaboração, com a Sonoscopia, que não tem como interesses confessos o Jazz (e se eles dizem que não tocam jazz, quem sou eu para os desmentir!); donde na minha opinião resultaram os menos interessantes concertos do Guimarães Jazz.
Este ano o festival traz um trio belga-norueguês de Kvelvane – Østvang – Vermeulen. Nada como ir ver para comprovar como estou enganado.
Sábado 15, 16.00.

A tarde de sábado terá ainda o concerto do quinteto de Alex Hitchcock de que já falei;
Sábado 15, 18.00.

e mais à noite o pianista Danilo Pérez à frente da Bohuslän Big Band.
A Europa e a América juntos pela música a fazer a festa de encerramento do Guimarães Jazz 2025.

Como sempre os concertos do festival continuam sempre, ou no Convívio ou no bar do Vila Flor, para as jam sessions animadas pelo grupo residente, que este ano é o Alex Hitchcock Quintet.

Leonel Santos